Abri aleatoriamente o livro de Augusto dos Anjos, o "Eu e outras poesias". Resolvi postar a poesia que vi ali, àquela que o acaso escolheu:
POEMA NEGRO
Para iludir minha desgraça, estudo.Intimamente sei que não me iludo.Para onde vou (o mundo inteiro nota)Nos meus olhares fúnebres, carregoA indiferença estúpida de um cegoE o ar indolente de um chinês idiota!A passagem dos séculos me assombra.Para onde irá correndo minha sombraNesse cavalo de eletricidade?!Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:-Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?E parece-me um sonho a realidade.Em vão com o grito do meu peito impreco!Dos brados meus ouvindo apenas o eco,Eu torço os braços numa angústia doudaE muita vez, à meia-noite, rioSinistramente, vendo o verme frioQue há de comer a minha carne toda!É a Morte - esta carnívora assanhada -Serpente má de língua envenenadaQue tudo que acha no caminho, come...-Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,Sai para assassinar o mundo inteiro,E o mundo inteiro não lhe mata a fome!Nesta sombria análise das cousas,Corro. Arranco os cadáveres das lousasE as suas partes podres examino...Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,Na podridão daquele embrulho hediondoReconheço assombrado o meu Destino!Surpreendo-me, sozinho, numa cova.Então meu desvario se renova...Como que, abrindo todos os jazigos,A Morte, em trajes pretos e amarelos,Levanta contra mim grandes cutelosE as baionetas dos dragões antigos!E quando vi que aquilo vinha vindoEu fui caindo como um sol caindoDe declínio em declínio; e de declínioEm declínio, com a gula de uma fera,Quis ver o que era, e quando vi o que era,Vi que era pó, vi que era esterquilínio!Chegou sua vez, oh! Natureza!Eu desafio agora essa grandeza,Perante a qual meus olhos se extasiam...Eu desafio, desta cova escura,No histerismo danado da torturaTodos os monstros que os teus peitos criam!Tu não és minha mãe, velha nefasta!Com o teu chicote frio de madrastaTu me açoitaste vinte e duas vezes...Por tua causa apodreci nas cruzes,Em que pregas os filhos que produzesDurante os desgraçados nove meses!Semeadora terrível de defuntos,Contra a agressão dos teus contrastes juntosA besta, que em mim dorme, acorda em berros;Acorda, e após gritar a última injúria,Chocalha os dentes com medonha fúriaComo se fosse o atrito de dois ferros!Pois bem! Chegou minha hora de vingança.Tu mataste o meu tempo de criançaE de segunda-feira até domingo,Amarrado no horror de tua rede,Deste-me fogo quando eu tinha sede...Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!Súbito outra visão negra me espanta!Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.A treva invade o obscuro orbe terrestre.No Vaticano, em grupos prosternados,Com as longas fardas rubras, os soldadosGuardam o corpo do Divino Mestre.Como as estalactites da caverna,Cai no silêncio da Cidade EternaA água da chuva em largos fios grossos...De Jesus Cristo resta unicamenteUm esqueleto; e a gente, vendo-o, a genteSente vontade de abraçar-lhe os ossos!Não há ninguém na estrada da Ripetta.Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,As luzes funerais arquejam fracas...O vento entoa cânticos de morte.Roma estremece! Além, num rumor forte,Recomeça o barulho das matracas.A desagregação da minha IdéiaAumenta. Como as chagas da morféiaO medo, o desalento e o desconfortoParalisam-me os círculos motores.Na Eternidade, os ventos gemedoresEstão dizendo que Jesus é morto!Não! Jesus não morreu! Vive na serraDa Borborema, no ar de minha terra,Na molécula e no átomo... ResumeA espiritualidade da matériaE ele é que embala o corpo da misériaE faz da cloaca uma urna de perfume.Na agonia de tantos pesadelosUma dor bruta puxa-me os cabelos.Desperto. É tão vazia a minha vida!No pensamento desconexo e falhoTrago as cartas confusas de um baralhoE um pedaço de cera derretida!Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.Eu, somente eu, com a minha dor enormeOs olhos ensangüento na vigília!E observo enquanto o horror me corta a fala,O aspecto sepulcral da austera salaE a impassibilidade da mobília.Meu coração, como um cristal, se quebre;O termômetro negue minha febre,Torne-se gelo o sangue que me abrasa,E eu me converta na cegonha tristeQue das ruínas duma casa assisteAo desmoronamento de outra casa!Ao terminar este sentido poemaOnde vazei minha dor supremaTenho os olhos em lágrimas imersos...Rola-me na cabeça o cérebro oco.Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.
É, ultimamente até pra doer tenho pedido ajuda pro poeta...
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