Por que nego o discurso supostamente subversivo dos vegetarianos?

Esse texto serve como forma objetiva de demonstração do porque não concebo o discurso vegetariano da forma com a qual os próprios vegetarianos o formulam. Quero deixar claro que não tenho nada contra ninguém que opta por este hábito, meu propósito não é combater o hábito desses individuos mas sim, demonstrar que esta prática nada altera a estrutura da qual são críticos e, alertar sobre o caráter superficial e um tanto pequeno-burguês dessa prática.


Primeiramente, deve se demonstrar o que concerne o discurso vegetariano. No centro de toda problemática está a preocupação com o bem-estar animal (o que é extremamente louvável na prática militante desses grupos), conectado a isto está toda uma crítica à indústria da carne e seus malefícios. Aí é que se encontra, a inconsistência do discurso. Os vegetarianos pregam que uma suposta mudança relativamente ampla do hábito alimentar, no caso um boicote massivo do consumo de carne, promoveria o desmonte da indústria que, além de maltratar os animais, produz relações desumanas e degrada o meio-ambiente. Ora, todas essas afirmações são comprovadamente verdadeiras, mas será que a partir de uma mudança brusca nos hábitos alimentares se forjariam as condições necessárias para o desmonte dessa realidade perversa? Conduzo meu argumento a partir de uma situação hipotética, com suas devidas ressalvas: 1. A centralidade não está na hipótese por si só, mas sim no mecanismo que ela se propõe a demonstrar, o que István Mészáros chama de "metabolismo social do capital"; 2. O exemplo hipotético que utilizo demonstra uma forma extremada que pode ou não se manifestar na realidade; 3. Deve-se ter a plena consciência do problema que se enfrenta ao trabalhar com formas hipotéticas de argumentação. Tendo em mente essas ressalvas, descarta-se a possibilidade de uma supervalorização da situação para que seja depositada a atenção ao processo que ela quer ilustrar.
Imaginemos que se desencadearia um processo de larga escala em que as pessoas, alertadas sobre os malefícios do consumo de carne, alterassem substancialmente os hábitos alimentares tradicionais. Isso obviamente contribuiria para uma violenta crise da indústria da carne, frigoríficos e granjas estariam submetidos a taxas de lucro cada vez menores e correriam o risco de serem obrigados a encerrarem suas atividas devido a disparidade abismal entre os custos de produção e o lucro. Aparentemente, a "vitória vegetariana" estaria consumada. Nesse ponto é que se manifestaria a dinâmica perversa do capital. É a partir deste exemplo que utilizo um mecanismo hipotético extremo para demonstrar a readequação do mercado capitalista à nova configuração de consumo. Os grandes frigoríficos e granjas se transformariam em grandes estufas ou em grandes latifúndios, persistindo as mesmas relações de trabalho contidas na forma capitalista de produção, mais ainda, estariam elas (as relações) inseridas numa mesma forma estrutural fundiaria, no caso brasileiro, o latifundio monocultor, agora ampliado, devido as novas demandas que surgiram.
Como se vê, as estruturas fundamentais estarão intocadas: as relações de produção capistalistas e a organização fundiaria. Se as estruturas fundamentais perduram, continua também a degradação do meio ambiente. Uma das caracteristicas do latifundio monocultor é promover o desmonte da já comprometida segurança alimentar, não só no Brasil, mas em todo o planeta. Essa situação se sustenta pelo fato de um número cada vez mais reduzido de grupos econômicos do grande capital internacional controlarem a produção de sementes, na maioria transgênicas, o que implica dizer que essa realidade coloca no limbo da marginalidade, a prática da agricultura familiar que é o que garante (comprovado pelo censo agrário publicado pelo IBGE) hoje no Brasil a produção de alimentos e o que resta da segurança alimentar das famílias brasileiras. A produção cada vez mais indiscriminada de produtos transgênicos, além de produzir esse perverso percalso, causa um prejuízo enorme à riqueza biológica do planeta ao substituir a semente ou os grãos não-transgênicos por formas laboratoriais. É clara a intenção de monopolização da produção de alimentos pelo grande capital internacional e para isso, a degradação do meio-ambiente não freia a lógica da acumulação capitalista.
O que se pode constatar é que: a simples mudança do hábito alimentar não coloca em xeque as estruturas elementares que produzem as mazeleas das quais o discurso vegetariano critica. É impensável, num mundo onde milhões de pessoas morrem de fome todos os anos, vítimas de uma forma de organizar a vida humana onde o capital é a centralidade, que se induza à uma outra forma supostamente mais humanana de se alimentar. Milhões de pessoas, que não têm a possibilidade nem de matar um "bichinho" pra comer, quanto mais ter acesso ao preço elevado dos produtos orgânicos, que por sua vez, também são produzidos dentro de uma lógica capitalista e desumana. O grande erro dos vegetarianos, salvo excessões, é manter uma posição um tanto quanto arrogante de superioridade aos não vegetarianos e rotula-los como alienados, como os não participantes de um "processo civilizatório" que o vegetarianismo propõe. Penso que seja muito mais louvável e elegante que um vegetariano afirme que não come carne porque não gosta de carne ou porque é pura e simplesmente adepto à não agressão dos animais do que, de uma maneira um tanto pequeno-burguesa, se apresente como um ativista subversivo de combate a indústria capitalista. Quem pode, hoje, ter uma dieta vegetariana?
Que os vegetarianos possam entrar em contato com o grande pensador Josué de Castro, que expôs como e porque a fome se manifesta, na regionalidade do Brasil e por todo o mundo, para que munidos desse arcabouço teórico, possam reconfigurar o seus discurso e prática militante e concentrar esforços naquilo que realmente é a causa das mazelas que querem combater: a materialidade das relações estabelecidas dentro do sistema capitalista mundial.

6 comentários:

  1. Nem todo vegetariano se acha superior.
    Nem todo vegetariano é ativista.
    E certamente mtos nem entendem nd de teorias sobre o capitalismo.
    Os argumentos sobre meio ambiente, fazem sim parte do discurso, mas principalmente pq a pecuária gasta mto mais água q a agricultura e emite mtos gases poluentes, q contribuem p/ o efeito estufa.
    Qto à fome, é pq poderiam ser alimentadas mto mais pessoas c/ proteína vegetal do q animal.
    É mais barato.
    Ao contrário do q vc disse, eu diria: quem pode comer carne?
    A soja q poderia alimentar mtas pessoas, serve p/ engordar o gado de poucos.
    É claro q isso precisa vir acompanhado de uma mudança no sistema, mas penso q já é um começo ter comida suficiente p/ as pessoas, e ñ p/ bois.
    No mais, a maioria dos vegetarianos é, acima de tudo, contra os maus tratos aos animais.

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  2. O discurso de não agressão aos animais é predominante entre os vegetarianos, não quer dizer que é o centro da problemática, existem vários motivos que levam as pessoas a virarem vegetarianos, meus primeiros motivos são: o espaço utilizado na pecuária se utilizado para o plantio alimentaria muito mais pessoas e a redução da produção de carne reduziria, sim, a produção de gazes estufa.
    Lógico que a prática capitalista não é fraterna, o alimento estraga, mas num é distribuído igualmente, só quem pode pagar é que consome, mas pense pelo menos na redução do preço da soja. A carne em si é mais cara que a soja, pois a soja tem um mercado ainda muito reduzido.
    Acho que você tá tentando ler o vegetarianismo com a teoria errada, o vegetarianismo se insere em outro tipo de movimento social que através da mudança do habito de consumo tenta reduzir as mazelas do capitalismo, não destruir o capitalismo, é claro, não nega outros tipos de práticas revolucionárias, no entanto por não ser uma prática revolucionária como você gostaria que fosse não perde o valor, só vem pra somar. É lógico que o capitalismo vai se readequar, mas qual é sua intenção em utilizar esse discurso pra acabar com o vegetarianismo e deixar de lado todas as benesses que pode trazer a dieta vegetariana? Eu acho fazer um discurso contra o vegetarianismo pra não colocar nenhum outro melhor no lugar, é extremamente perverso. Pegar pelas imperfeições - que todo movimento tem - pra destruir o todo é mesma coisa que a grande mídia faz com os movimentos sociais diariamente.

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  3. Meu caro Eric, você não percebeu o que eu deixei claro no começo do texto: minha intenção não é destruir o hábito vegetariano mas o discurso recorrente a ele. Segundo, você afirma que não coloco nenhum outro discurso no lugar, o que me parece descabido dizer, já que o intuito do texto todo é alertar para que o esforço conjunto seja para que se combata "a materialidade das relações estabelecidas dentro do sistema capitalista mundial". Queria saber por qual perspectiva você analisa o que é ou não uma "prática revolucionária". Mas é justamente isso que quero demonstrar e que você concorda, de acordo com seu comentário, que o ativismo vegetariano é pequeno-burguês.

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  4. São muitas vozes e poucas nozes! Existem vegetarianos que usam roupa de couro e não-vegetarianos que não usam Nike. Vamos amar mais.

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  5. Querido Marquinho, como já conversamos pessoalmente, vou citar aqui novamente.
    A questão da Libertação Aminal, como a companheira Amanda bem lembrou abaixo, é Ética, é Moral. Você está falando que a estrutura do Capital não vai ser alterada, que a industtria irá se adaptar,(desculpe se não for, mas foi isso que absorvi) concordo plenamente.
    Mas a missão principal dos Vegetarianos é a de acabar com a exploração animal, partindo do princípio da igual consideração (Singer, Peter. 1975). Só a título de ciência, não é só a indústria da carne; como também a indústria de roupas e sapatos (que utilizam animias, como lã e couro, por exemplo), as grandes Universidades e centros de pesquisas que utillizam animais, as corridas de cães, os rodeios, os parques aquáticos, os circos. Sempre partindo do princípio ético; é imoral tirar a vida de um ser, ou privar liberdade de seu habitat natural para qualquer fim, sabendo que esse ser tem (já provado pela ciência) sentimentos, sente dor. Não justifica tirar o direito à vida desses seres, nem para alimento, nem para entretenimento.

    "O que se pode constatar é que: a simples mudança do hábito alimentar não coloca em xeque as estruturas elementares que produzem as mazeleas das quais o discurso vegetariano critica"

    Não coloca em xeque porque não é essa a visão. Para nós,Vegetarianos, a questão não é sobre as "estruturas elementares do capitalismo", a questão é ética. ACIMA DE TUDO.



    "Nem todo vegetariano se acha superior.
    Nem todo vegetariano é ativista."

    Lembre-se disso.

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  6. Isso tudo sempre concordei, o que combato é: o discurso supostamente subversivo e o "projeto civilizatório" que os vegetarianos propões, como se quem comesse carne fosse menos civilizado. E ninguém negou ainda o caráter pequno-burguês desse ativismo.

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