Globalização hegemonica e resistência

Como a atividade acadêmica e o trabalho consomem 120% de meu tempo e energia, quase nunca escrevo aqui. E, para que isso seja provado postarei um texto escrito em quatro mãos. Esse texto é resultado de um processo avaliativo da disciplina de Sociologia e é a tentativa de refletir sobre um processo amplo e complexo: a tal da Globalização. Eu e meus companheiros de reflexão, escrevemos a partir de dois olhares, que apesar de serem distintos convergem numa mesma direção quanto a postura de análise. Me refiro ao sociólogo brasileiro Octavio Ianni e a Vandana Shiva. Ao final deixo a referência bibliográfica para a consulta dos textos que valem a pena serem lidos pela sutileza e beleza reflexiva.


Texto escrito por: César Rodrigues, Fernando Camargo, Marcos de Lima e Valter Chanes

O globalismo inaugurou o que Octavio Ianni (2003) chamou de "o novo ciclo da revolução burguesa". O desenvolvimento das forças produtivas em escala mundial teve o poder de rearranjar as instituições jurídico-políticas e econômico-financeiras, os poderes do Estado, o direito internacional. Enquanto que nos primeiros séculos do desenvolvimento capitalista o foco era a busca pelo domínio de novos territórios, no mundo globalizado o alvo das "economias desenvolvidas" passa a ser os mercados nacionais dos países "em desenvolvimento".
O objetivo desse trabalho é compreender "o novo ciclo da revolução burguesa", dentro do contexto da globalização, a partir das implicações práticas ocorridas na Índia evidenciadas por Vandana Shiva (2005), que consiste, segundo a autora, no "colonialismo na idade da biologia", ou seja, a biopirataria.
A sociedade global, observada a partir de suas várias dimensões: econômicas, políticas e culturais, é percebida, de acordo com Ianni (2003), como resultado de uma nova totalidade contraditória. Os territórios e as fronteiras, os povos e as nações, as classes sociais, as culturas, entendidas como formações sociais locais, são confrontadas por novos arranjos globais que incluem organizações multilaterais, direito internacional, a mídia transnacional. Dessa forma, na medida que o sistema capitalista ingressa em um novo ciclo de expansão mundial, agora global, "aos poucos, ou de repente, abalam-se os quadros sociais e mentais de referência de uns e outros, em todo o mundo" (IANNI, 2003: 110) sob a direção de organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), chamados por Ianni (2003) de "santíssima trindade do capital".
O novo ciclo de globalização do capitalismo promove modificações, construindo e desconstruindo constantemente identidades, resultado dos processos de "desterritorialização", "desnacionalização", "transculturação", estruturados de forma sistemática conciliando, de maneira mais ou menos harmoniosa, teoria, prática, ideologia. O principal sujeito político dessas transformações é a chamada "burguesia mundial", cuja característica é revolucionar constantemente os instrumentos de producão e as relações de produção.
Nessa dinâmica complexa as implicações práticas no cotidiano manifestam-se de diferentes maneiras. O caso estudado por Vandana Shiva (2005) é um exemplo das várias maneiras pelas quais ocorre, no cotidiano prático, este novo ciclo da revolução burguesa.
Vandana Shiva (2005) argumenta que esse novo ciclo da revolução burguesa introduziu, nas relações entre os países, um novo modo de colonização. Para a autora, a "biopirataria" representa o colonialismo na idade da biologia. Entende-se por "biopirataria", de acordo com a autora, "o processo de patentear a biodiversidade, frações dela e produtos que dela derivam" (SHIVA, 2005: 323). Por este aspecto as patentes são um tipo de ordenamento jurídico que exclui os outros da produção, utilização e venda daquilo que está patenteado. Assim, as patentes, que estão assentadas sob a égide da biopirataria, negam os produtos e processos concebidos através dos conhecimentos coletivos das sociedades, denominados pela autora de Terceiro Mundo. Isto implica que, conforme Vandana Shiva (2005), se esse processo não for impedido, as sociedades do Terceiro Mundo terão que comprar dos concessionários globais da biotecnologia seus medicamentos, suas sementes, os serviços essencias a vida.
Tudo isso só é possível porque, com o processo de globalização, globalizam-se também os marcos jurídicos, transformando os regimes de direito sobre a propriedade intelectual, introduzindo as patentes e direitos de propriedade intelectual em sementes, plantas, animais e microrganismos. Anteriormente a esse processo, cada país definia suas próprias leis sobre tais direitos, adaptando-os à sua realidade sócio-econômica e cultural. Vandana Shiva (2005) afirma que "a remoção de todos os limites ao que é patenteável foi uma exigência das empresas multinacionais" (SHIVA, 2005: 324).
O globalismo, conduzido por uma "burguesia mundial", cada vez mais ascendente, desconstruiu as fronteiras dos ordenamentos jurídicos nacionais, substituindo legislações e processos historicamente fundados.


Bibliografia:


IANNI, Octavio. Sociologia do futuro. In: BARREIRA, César (org.). A sociologia no tempo: memória, imaginação e utopia. São Paulo: Cortez, 2003. p.107-131


SHIVA, Vandana. Biodiversidade, direitos de propriedade intelectual e globalização. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.) Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 317-340

Um comentário:

  1. Parabéns Marquinho, texto claro e muito legal! Muito tenso mesmo essa parada de "patente"...

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